Detalhes

O  final de um filme. O epílogo de um livro. Momentos especiais. Despedidas. Pausas no tempo. Pequenos nada que completam o todo. Detalhes que contam.

Há alguns anos ouvi alguém comentar, depois de um filme ao ar livre, na esplanada do castelo, e de quase toda a gente se ter levantado assim que o mesmo terminou, que o genérico final, ou os créditos finais, como lhe chamam no Brasil, traduzindo à letra do inglês,  é parte do filme, aliás, é mesmo aquela parte em que o começamos a saborear, a “digerir” o conteúdo, um momento de pausa, quase de reflexão, e que não percebia como é que as pessoas não sentiam isso, logo se distraíam e não o aproveitavam. Mas é um facto, tenho confirmado isso, no cinema a maioria das pessoas levanta-se mal termina o filme, e se for em casa mudam de canal. E perdem um momento de encanto. Talvez seja uma questão de sensibilidade e cada um tem a sua.

Esta conversa, não sendo comigo, deixou-me a pensar. Porque para mim era um hábito de sempre, quase um ritual, ficar ali, quieta, a olhar para o ecran enquanto passam as legendas  finais. Quando as últimas lágrimas, que queremos disfarçar, teimam em se mostrar, quando o rosto assume um sorriso de felicidade que aspira à eternidade, quando já passam em retrospectiva encontros e desencontros, até coincidências, ou quando se tenta vislumbrar a mensagem contida.  Mas achava que era uma coisa só minha, nunca tinha imaginado que outras pessoas pudessem apreciar tanto, também, aquele momento.

Já dizem os poetas que a felicidade está nos momentos simples da vida, nos detalhes. Sem dúvida. Ficar ali, quieta, calada, a ver passar as legendas e a ouvir a banda sonora, a saborear cada linha e cada nota, é um belo pedaço de felicidade. Pode ter sido um drama. Pode  não ter tido o melhor desfecho. Tampouco interessa. Até porque o final do filme não acontece nas cenas finais, aí é apenas quando o autor termina de contar a história.  Um filme prolonga-se na nossa imaginação. Mas essa meia dúzia de minutos, enquanto passam os créditos finais, tem um tanto de mágico, e é um momento feliz só meu, impossível de partilhar. Não me digam nada, não me perguntem nada. Aquele é um tempo de silêncio.

O final dos livros é também especial.

O último capítulo se for pequeno, ou uma meia dúzia de páginas finais, ficam de reserva para uma ocasião própria, porque gosto de escolher criteriosamente o momento, que antevejo de puro deleite, para o epílogo.

Se já prefiro ler sem barulhos ou confusões, para o final procuro mesmo um lugar onde possa estar sozinha. Só eu e essas últimas linhas. Que podem ser mais ou menos intensas, emotivas, empolgantes, coloridas, musicais (nos livros somos nós que escolhemos a banda sonora, não vos acontece?), mais ou menos alegres, não interessa. Só interessa que me vou despedir daqueles pessoas, daqueles lugares, que talvez não volte a “ver” (raramente leio um livro duas vezes, manias…) e sinto que devo preparar a despedida. Como numa festa, numa ocasião especial, tudo tem de estar no lugar certo.

Mesmo quando os dias são de desalento, mesmo quando a vida teima em mostrar  o seu lado menos luminoso, lá no mundo da ilusão, na terra do faz-de-conta, no final de cada livro e de cada filme, espera-me sempre, secretamente, um final feliz. São detalhes. Detalhes que contam.

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