Pais do contra

Não compreendo a razão pela qual este programa, e outros como este, não passam no canal principal da televisão pública em horário nobre.

Porque é serviço público da melhor qualidade mas precisa de maior visibilidade, de chegar a tantas pessoas quantas seja possível.

Isto é a nossa história recente, é sobre as pessoas que sofreram na pele os horrores da tortura, da privação da liberdade por uma causa tão justa e nobre, que abnegaram de praticamente tudo para se entregarem a uma causa, que não acompanharam o crescimento dos filhos nem desfrutaram do calor de um lar e de uma família durante anos e anos, que comeram o pão que a ditadura amassou.

Isto é sobre resistência, entrega total, luta por ideais, isto pode servir para educar, porque os mais novos precisam muito e pela volta que isto leva os mais velhos ainda precisam mais. Porque sabem de tudo isto e já se esqueceram. Ou querem esquecer-se, não sei bem. Por isso precisam de ouvir!

Não é para pessoas sensíveis e facilmente impressionáveis mas é de muito valor. Neste momento, em que na casa da democracia há 50 vozes a desprezar e tratar da pior forma a mesma, nesta semana em que soubemos pela voz de uma deputada que nos corredores da Assembleia da República há insultos, xenofobia, racismo, misoginia, há ofensas e intimidações, estes testemunhos são cada vez mais importantes.

Não gosto muito do nome, Pais do contra. Eles eram do contra mas não era um contra qualquer. Eram contra uma ditadura que reprimia, prendia, torturava e matava. Mas um nome é só um nome, o que importa é o conteúdo. E neste programa da RTP3, moderado por Vitor Gonçalves, o conteúdo é de excelência.

Se atentarmos à programação da RTP1 percebemos que há um espaço, depois do telejornal, em que este tipo de programas se encaixa e que aliás é ocupado por alguns deste formato. Só ficaria bem à RTP, passá-lo nesse espaço e horário. Por uma questão de justiça mas também de homenagem a todas estas famílias, porque são todos tão merecedores. Se uns eram presos, outros mantinham a resistência ativa cá fora, criavam filhos e netos, trabalham, sustentavam a família, visitavam os seus presos na prisão, quando isso lhes era permitindo, numa época em que os transportes eram parcos e de difícil acesso. Há um conjunto enorme de pessoas envolvidas nas histórias da resistência à ditadura que merecem todo o nosso respeito e homenagem.

No Pais do Contra fazem-se retratos íntimos, revela-se, pelas vozes dos filhos e filhas, a história de alguns dos mais notáveis e ao mesmo tempo quase desconhecidos e desconhecidas, combatentes da ditadura.

O episódio que passou no dia 21 de maio, com Álvaro Pato, filho de Otávio Pato, é um rol de emoções do princípio ao fim. Todos os episódios são magníficos mas o drama desta família é deveras impressionante.

Destaco aqui Maria Rodrigues Pato, avó de Álvaro Pato, uma mulher e mãe de uma coragem única, com o seguinte texto presente no site: https://silenciosememorias.blogspot.com/

Vinte e cinco anos a caminho das prisões fascistas
Maria da Conceição Rodrigues Pato nasceu em S. João dos Montes, Vila Franca de Xira, em 27 de Outubro de 1900, casou com João Floriano Baptista Pato [26/06/1895 – 14/12/1983] e era mãe de Carlos Alberto [21/12/1920 – 26/06/1950], Abel [n. 09702/1922], João e Octávio Floriano Rodrigues Pato [01/04/1925 – 19/02/1999], “sogra” de Albina Fernandes [05/01/1929 – 02/10/1970] e avó de Álvaro Pato (n. 1950), todos militantes comunistas que passaram anos e anos presos, sofrendo bárbaras torturas.

Foi a mulher que mais tempo caminhou para as prisões fascistas para ver aqueles familiares, presos, em simultâneo ou de forma continuada, a partir da década de 40: segundo palavras do neto Álvaro, “percorreu milhares de quilómetros a andar de cadeia para cadeia”.

Em 1974, em conversa com a jornalista Gina de Freitas, publicada em 25 de Setembro de 1974 no Diário de Lisboa, contou o que foram “30 anos de sofrimento”, entre Maio de 1949 e Abril desse ano, a partir do momento em que a PIDE prendeu o filho Carlos, morto em Caxias depois de barbaramente torturado com 130 horas de estátua e sem lhe prestarem assistência médica, apesar das insistências dos outros presos, tendo guardado “uns sapatos dele, todos rebentados devido a ter ficado muito inchado por causa das torturas” [A força ignorada das companheiras, p. 30].

Depois detiveram Abel, empregado bancário, no Aljube, entre 16/11/1953 e 12/02/1954, para ver se denunciava o irmão Octávio, na clandestinidade desde 1945; de seguida, em 1961, calhou a vez a este e a Albina Fernandes, sua companheira, serem detidos com os dois filhos pequenos em Caxias; e, por último, em 1973, foi o neto Álvaro, preso em 25 de Maio, sendo libertado de Caxias em 27 de Abril de 1974.


Podem ver na RTPPlay o Pais do contra:

https://www.rtp.pt/play/p13392/pais-do-contra

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