50 anos de Liberdade, ela continua a passar por aqui!

Passam hoje 50 anos da madrugada mais longamente esperada, da madrugada em que a coragem venceu o medo e derrubou a ditadura fascista que perdurava há cinco décadas em Portugal.

A revolução de abril trouxe o fogo da liberdade e a alegria da democracia, são eles os nossos bens mais preciosos! Não podemos permitir que possam algum dia voltar a ser-nos roubados.

Este artigo é para o Jan Marc, o Noah e a Jael, os meus adorados e adoráveis netos e neta de 7, 5 e 2 anos, ainda na maravilhosa idade da inocência, vivida em liberdade e democracia. Muito desejo e espero que assim cresçam e vivam sempre, sem terem nunca a necessidade de lutar por valores tão preciosos.

As probabilidades de alguma vez o lerem são remotas mas, se não lhes for transmitido esse conhecimento nem tiverem a curiosidade de procurar saber mais sobre um dos seus países de origem, quem sabe um dia tropecem nele e saibam, pela “voz” da avó Antónia, como era, antes do dia 25 de abril de 1974, Portugal, o país do papá, do tio, dos avós e de todas as gerações suas antecessoras. Como este dia foi importante, como o vemos hoje, 50 anos decorridos e seriamente ameaçado.

Hoje é dia de festa, dia de celebrar o 25 de abril de 1974, o dia mais importante da nossa História recente.

Cinquenta anos constituem meio século, um pouco menos do que os meus anos de vida. Se o 25 de abril não foi o dia mais feliz da minha, porque era então uma criança sem noção do acontecimento, é, enquanto cidadã portuguesa, o mais importante de todos eles.

Para assinalar esta marca tão forte quero dedicar este artigo aos meus netos e neta, ainda crianças e que muito gostaria de ver crescer em paz, de vir a saber no futuro pessoas do bem, pessoas da liberdade e da democracia. Quero contar-lhes aqui, que no século imediatamente anterior ao do seu nascimento, Portugal viveu durante 48 anos sob o domínio de um regime opressor, de um ditador fascista, de seu nome Salazar.

Como em todos os regimes opressores, não havia liberdade. Essa seria a marca talvez mais evidente da ditadura mas era também um regime em que:

  • Os mais pobres eram oprimidos, reprimidos e passavam fome.
  • Havia uma polícia política que torturava e matava os que ousavam levantar a voz.
  • Se mandavam homens para a guerra em África para manter sob o seu domínio povos e territórios colonizados.
  • As mulheres, que viviam em subalternidade, ganhavam menos cerca de 40% do que os homens e eram consideradas seres inferiores.
  • O único modelo de família aceite era através do casamento.
  • A lei permitia que o marido pudesse proibir a mulher de trabalhar fora de casa.
  • As mulheres não podiam exercer o comércio ou atividades lucrativas sem autorização do marido e se o fizessem este podia rescindir o contrato.
  • A idade mínima do casamento era aos 16 anos para o homem e 14 anos para a mulher.
  • A mulher, face ao Código Civil, podia ser repudiada pelo marido no caso de não ser virgem na altura do casamento.
  • O homem era o Chefe de Família, detinha o poder marital e paternal, era o administrador dos bens comuns do casal, dos bens próprios da mulher e bens dos filhos menores.
  • As mulheres não tinham não tinham o direito ao voto nem acesso a carreiras como a magistratura, a diplomacia, a militar ou a polícia e o acesso a outras (como por ex., enfermeira, hospedeira do ar) implicava a limitação de direitos, como o de casar.
  • Determinava pertencer à mulher, durante a vida em comum, o governo doméstico, a mulher tinha legalmente o domicílio do marido e era obrigada a residir com ele.
  • Permitia ao marido matar a mulher em flagrante adultério (e a filha em flagrante corrupção), sofrendo apenas um desterro de seis meses.
  • O marido tinha o direito de abrir a correspondência da mulher.
  • Não eram reconhecidos os filhos fora do casamento (considerados ilegítimos) e estes não possuíam os mesmos direitos dos filhos nascidos dentro do casamento.
  • As mães solteiras não tinham qualquer proteção legal.
  • Até 1969, a mulher não podia viajar para o estrangeiro sem autorização do marido.
  • Os médicos da Previdência não estavam autorizados a receitar contracetivos orais, a não ser a título terapêutico.
  • A mulher não tinha o direito de os usar contra a vontade do marido, o aborto era punido em qualquer circunstância, com pena de prisão de 2 a 8 anos. Estimavam-se os abortos clandestinos em 100 mil/ano, sendo a terceira causa de morte materna. Cerca de 43% dos partos ocorriam em casa, 17% dos quais sem assistência médica; muitos distritos não tinham maternidade e havia elevados índices de mortalidade materna e infantil.

Quero que os meus netos e neta saibam que em Portugal, antes do 25 de abril de 1974:

  • Não havia liberdade de expressão, nem de reunião, nem de associação.
  • Não havia eleições nem direito ao voto livre, havia presos políticos.
  • Não havia acesso à saúde, nem à educação, nem às reformas, nem aos bens mais essenciais.
  • Portugal tinha dos salários mais baixos da Europa, 25% dos portugueses viviam em locais sem condições mínimas de salubridade e segurança, proliferavam bairros de lata, 52% dos alojamentos não tinham abastecimento de água, 53% não tinham energia elétrica, 60% não tinham rede de esgotos; 67% não tinham instalações sanitárias.
  • Grassava o analfabetismo e mais de um milhão e meio de portugueses emigrou entre 1961 e 1973 para fugir à pobreza.
  • A sua bisavó Joaquina, uma mulher muito especial, de grande inteligência e sensibilidade, que o JM ainda conheceu, nunca foi à escola porque apenas aos irmãos homens foi dada essa possibilidade.
  • A avó Antónia, proveniente de uma família paterna constituída por oito filhos/as e dezanove netos/as e família materna constituída por quatro filhos/as e nove netos/as, sendo uma das pessoas mais novas de ambos os núcleos, foi a primeira na família a obter formação superior.
  • Os quatro bisavós viveram anos sem saneamento básico e eletricidade. Os bisavós do lado materno caminhavam diariamente muitas vezes mais de dez quilómetros por dia para se deslocaram até aos campos agrícolas onde trabalhavam de sol a sol e eram explorados pelos grandes latifundiários.

Que eles saibam que por tudo isso, mas sobretudo pela guerra de África, que estropiava e ceifava vidas, um grupo de militares, o Movimento das Forças Armadas, uniu-se e provocou uma “Revolução de flores”, assim designada porque decorreu quase sem sangue e recurso à violência e foram distribuídas pelo povo muitas flores, especialmente cravos vermelhos. A Revolução, assim como a Constituição de 1976, redigida pela Assembleia Constituinte eleita na sequência das primeiras eleições gerais livres no país, em 25 de Abril de 1975, 1.º aniversário da Revolução dos Cravos, promoveram a melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo e provocaram profundas transformações nas estruturas políticas e socioeconómicas de que se destacam:

  • As mulheres conquistaram o direito de voto universal;
  • Foi institucionalizado o salário mínimo nacional;
  • Houve um aumento dos salários reais, das reformas e das pensões mínimas;
  • Consagrou-se o direito à segurança social para largos sectores da população, o direito a 30 dias de férias e o subsídio de férias, a redução do horário de trabalho:
  • Foi criado o subsídio de desemprego, que assegurou a licença de maternidade e o aumento significativo do abono de família;
  • Foi reconhecido o direito das mulheres à igualdade em todos os domínios;
  • Foram reconhecidos os direitos das pessoas com deficiência, até então obrigadas a viver da mendicidade e pobreza extrema;
  • Foram dados largos passos dados na promoção da educação, cultura, desporto e ocupação dos tempos livres;
  • Pôs-se fim à guerra colonial, à exploração e opressão e a uma história de crimes contra povos explorados e subjugados sendo reconhecido o direito à autodeterminação e independência dos povos das colónias.

Estamos em abril de 2024, são decorridos 50 anos da data da Revolução e ela ainda está por cumprir. Há muito por fazer ao nível do desenvolvimento, das condições de vida, da igualdade. Mas muito foi feito e conseguido nestes 50 anos. Há que sublinhar isso!

As diferenças, entre o Portugal de antes e depois da revolução são assinaláveis e se conhecemos hoje, a nível político e social, o maior retrocesso civilizacional desde abril de 1974, não podemos de modo algum baixar a guarda.

Se temos 50 deputados de extrema direita na Assembleia da República que não caíram do céu, foram eleitos, tiveram votos, é porque por um lado, muitos dos que já nasceram em democracia e liberdade as dão como um bem adquirido e não as valorizam, não percebem o quão difícil foi lutar por elas; por outro, porque o preconceito tem raízes profundas, estava escondido ou adormecido, assim como racismo, o desprezo pela igualdade em geral e pela igualdade de género em particular, e bastou ser-lhes dado espaço para emergirem. Não acredito no voto por ignorância. Ou por descrédito na classe política. Esse é um sentimento comum a muitos de nós mas não será ele que nos impedirá de acreditar fortemente que não há nada mais importante do que viver em paz, em liberdade e em democracia.

Acredito muito firmemente que será através na Educação, no seu acesso e valorização, que teremos de investir mais firmemente para que os retrocessos não sejam ainda mais profundos.

Deixo como maior e mais importante desejo neste dia tão especial, que todos/as os que realmente prezam os valores de abril não os deixem esmorecer. Que possamos continuar firmes a luta e renovemos, a cada dia, o 25 de abril de 1974. Está nas nossas mãos não deixar que os direitos conquistados voltem a ser-nos roubados.

Notas: A imagem de capa é de um cartaz que me acompanha há anos no meu local de trabalho.

A música (criada e interpretada por Ermelinda Duarte e produzida por José Cid), sempre emocionante, com uma mensagem simples e bela, cantei-a num grande espetáculo, talvez em 1975, na Casa do Povo da minha aldeia, quando me voluntariei à chamada ao palco da Ermelinda Duarte. Teria os meus dez anos, não percebia ainda nada do que estava em curso, mas a determinação e o apreço à Liberdade já lá estavam semeados!

Ao JM, Noah e Jael!

Viva o 25 de abril de 1974, vivam a revolução, a liberdade e a democracia, sempre!

2 pensamentos sobre “50 anos de Liberdade, ela continua a passar por aqui!

  1. Ontem, esta canção voou na Avenida da Liberdade e no Rossio. Ontem, também vi muitas famílias, muitas crianças e muita juventude a celebrar o dia. Foi lindo de ver. Isso dá-nos esperança, a mim deu-me esperança.
    Creio que esta comemoração e o facto de ser mencionada nas escolas, foi uma boa ajuda na educação dos jovens. Talvez hoje os nossos jovens saibam um pouco melhor como era o antes da revolução e percebam que não vão querer isso.
    Um dia os seus netos lerão certamente estas suas palavra ou as ouvirão explicadas por si. Ou ditas pelos seus filhos. O terreno onde nasceram tem todas as condições de serem politicamente conscientes.
    Mas a Antónia, tal como eu com os meus netos, sabemos que eles serão educados na liberdade e democracia. Mas não sabemos que caminhos e escolhas irão fazer.
    Apenas podemos fazer a nossa parte, e a Antónia com este post, está a contribuir para isso.
    Bom fim-de-semana!

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    1. Também eu ouvi e voltei para casa de coração a transbordar de esperança. Tantas crianças, tantos jovens a aderir à festa, a entoar as canções de abril e os slogans da revolução. Que festa tão grandiosa e bonita!

      Tem razão, sabemos que nasceram em liberdade e democracia mas nada sabemos das suas escolhas. Que sejam iluminadas. Obrigada Dulce, e um bom fim de semana também para si!

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